OBSERVAÇÕES SOBRE
CALLIANDRA DEPAUPERATA
Texto: Galdino
O PRIMEIRO
CONTATO – A Calliandra Depauperata (Carqueja) surgiu na minha atividade
como bonsaísta por acaso. Em uma visita a um terreno de um amigo, em uma área
que estava em processo de loteamento, deparei-me com uma planta que estava
rebrotando depois da passagem das máquinas fazendo o desmatamento. Logo me
chamou a atenção o vigor daquela planta e a rapidez como brotava depois do
desmatamento.
Ali naquela área existiam várias outras espécies,
como jurema preta, jurema de imbira, imburana, marmeleiro, pereiro,
catingueira, camará, além de outras. Fiquei impressionado ao observar que
aquela planta, que desconhecia completamente, era a primeira a rebrotar e
formar uma bonita copa. Procurei informações com moradores da área mas eles não
souberam informar o nome daquela planta. Mesmo assim, fiquei encantado e não
resisti: coletei no final do mês de setembro de 2009 três exemplares naquele
terreno muito argiloso e com grande quantidade de pedras.
Só alguns meses depois, com a ajuda de outros
bonsaístas, como Sergivaldo Costa e Rock Jr., foi que consegui identificar
aquela espécie. Mesmo que até hoje não tivesse identificado, com certeza
estaria cultivando a Calliandra Depauperata, pois ela, quando em plena
brotação, chama a atenção de qualquer bonsaísta que a veja. Impossível que ela
passe despercebida. E se estiver coberta de flores, aí sim, a beleza é
exuberante.
A ESTRUTURA
– O tronco da Calliandra Depauperata tem aparência envelhecida e, dependendo
das condições em que se desenvolveu, toma formas retorcidas, dando logo a
impressão de árvore centenária, apesar de ser um arbusto.
Cheguei a encontrar a Calliandra Depauperata com
altura que atinge entre 3,5m e 4,0m. Ela ganha mais altura quando fica sufocada
entre outras árvores maiores. Em campo mais aberto, ela se mantém em uma altura
que varia entre 50cm e 2,0m. Em terrenos mais áridos, sobretudo rochosos, é
comum encontrar Calliandra Depauperata com idade avançada, estimada acima dos
20 anos, com altura que não passa dos 30 centímetros. Um bonsai natural.
A copa é bastante densa, com grande quantidade de
galhos repletos de pequenas folhas, menores do que folhas de outras variedades
de calliandra, como a Selloi ou Spinosa. A sua flor é bastante pequena, na cor
vermelha.
Para compensar o diminuto tamanho, a florada é
bastante intensa e sua copa fica coberta de um vermelho vivo contrastando com o
verde intenso de sua folhagem.
COMPORTAMENTO
– Observei que mesmo na natureza acontece de algum galho dela vir a morrer,
provavelmente pelo apodrecimento da raiz, ou grupo de raízes responsável por
alimentar aquele setor da planta. A raiz pode apodrecer pela ação do homem ou
mesmo pela investida de algum animal de pequeno ou grande porte. Encontrei
várias que em seu tronco havia buracos cavados por peba, animal que escava
terrenos em busca de tubérculos para se alimentar. Durante coletas que
realizei, observei que entre as raízes de várias Calliandras existia uma
pequena batata de uma planta que provavelmente serve de alimento para os pebas.
Nesse processo de escavação, ele pode danificar algumas raízes e assim
comprometer a sobrevivência de alguns galhos. Essa foi a minha primeira
observação sobre a perda de galhos. Depois, já com a planta em casa, observei
que o fenômeno da perda de galhos acontece eventualmente e até hoje não
consegui identificar uma causa exata para que assim aconteça. Em uma das vezes notei
que a perda se deu em função de eu ter feito transplante, com poda de raiz e
aérea, em época não apropriada. Tomei todas as precauções, mas mesmo assim
perdi um galho. Mas o incrível dessa planta é que mesmo um galho morto traz
beleza a ela. O importante é quando for fazer o transplante ficar bastante
atento às estruturas de raiz e ter certeza que existem raízes finas ligadas a
todas as raízes grossas. Assim fica mais fácil que o alimento chegue a todos os
galhos da planta, evitando assim a perda de algum deles.
ALIMENTAÇÃO
– Durante o tempo que cultivo Calliandra Depauperata como bonsai, notei que as
raízes finas, aquelas que alimentam, se desenvolvem em grande quantidade quando
a planta é colocada em bacias usando inicialmente como substrato apenas areia
lavada e preservando parte do torrão vindo na coleta. Em pouco tempo você tem
raízes suficientes para manter a planta bem saudável. A quantidade de raízes
funcionais é tão grande, que quando for realizar o transplante para um vaso
pode-se reduzir as raízes pela metade. Claro que aí temos também que fazer a
poda aérea. Em aproximadamente 10 dias ela começa o processo de rebrotação para
formar uma nova copa. Uma vez levada para o vaso, é essencial o uso de matéria
orgânica no substrato. A Calliandra Depauperata, assim como o Juazeiro, gosta
de solos ricos de matéria orgânica. No seu habitat natural, anualmente há uma
queda de grande quantidade de folhas que se decompõem e lhe servem de alimento.
Só a título de observação, tenho um exemplar de grande porte (refiro-me à
circunferência do tronco, e não à altura) que mantenho em vaso há quase 3 anos
e que vem se comportando muito bem em um substrato pouco drenado, com bastante
argila. Portanto, se optar por usar um substrato pobre em matéria orgânica, bem
drenado, é melhor ficar atento para alimentá-la com fertilizantes que contenham
os elementos básicos para seu desenvolvimento (NPK), além dos micronutrientes.
Uma boa opção, nesse caso, é usar o Osmocote, que tem liberação gradual de
nutrientes e não precisa que o bonsaísta esteja sempre atento a fertilizações
constantes. Tenho feito a variação entre as duas formas de alimentá-las e venho obtendo ótimos resultados.
MULTIPLICAÇÃO
– A Calliandra Depauperata pode ser multiplicada usando-se sementes, alporque
ou estaca. O plantio de sementes pode ser feito em qualquer época do ano. Até o
momento tenho conseguido em torno de 50% de germinação das sementes que planto.
Esse baixo poder de germinação acontece devido a alguns fatores. Um deles é a
semente atacada por uma broca que se instala na vagem antes mesmo que ela seque
e perfura a semente antes da maturação. Outro fator é devido ao pouco
desenvolvimento de algumas sementes na vagem. Assim algumas sementes ficam
menores que outras, e essas menores em geral não têm bom poder de germinação. Já o processo de multiplicação por alporquia
ou estaquia mostra melhores resultados quando feito entre os meses de outubro e
dezembro.
YAMADORI
– Inicialmente gostaria de tranqüilizar todos aqueles preocupados com a
preservação da espécie no seu ambiente natural, e aqui me incluo. É que a
Calliandra Depauperata tem uma característica própria que difere de algumas
outras espécies no que se relaciona à sua estrutura de raízes. A sua malha de
raízes se desenvolve de forma mais acentuada na horizontal, buscando alimento
em áreas superficiais. A sua raiz principal, a pivotante, não alcança grande
profundidade, e as demais, grossas, servem como apoio horizontalmente, como
falei anteriormente.

Assim, o processo de coleta é bastante facilitado
e as raízes que são cortadas na coleta ficam no solo e rebrotam. Assim, tiramos
uma planta e em breve teremos no mesmo local uma grande quantidade de plantas
que brotaram das raízes que ficaram fincadas no chão. Isso tenho observado
porque sempre volto aos locais onde fiz yamadori e vejo a grande quantidade de
novas brotações que surgem no local onde foi coletada a planta. Vendo por essa
ótica, quando coletamos Calliandra Depauperata estamos multiplicando a
quantidade de exemplares na natureza. Não quero aqui estimular a coleta
desenfreada desta espécie. Antes de tirar uma planta do chão, é bom observar
atentamente se ela realmente serve aos nossos objetivos. Se não for um bom exemplar
para bonsai, melhor deixá-la ali mesmo.

Agora vamos à forma como coleto a Calliandra
Depauperata. Levo comigo as ferramentas
básicas como chibanca, facão, tesourão, tesoura menor, plástico para
acondicionamento, fita adesiva ou ligas para embalagem e... água. Sim. Levo
água em garrafas pet, pois antes de começar o trabalho de escavação vou
molhando ao redor da planta, para permitir que o torrão fique mais consistente.
Enquanto a água é absorvida pelo solo, uso o tesourão para podar os galhos
grossos, deixando a estrutura da planta na forma desejada. Depois de molhado o
entorno do tronco da planta, vou cavando ao redor, cortando as raízes.
Dependendo do porte da Calliandra, utilizo a chibanca ou simplesmente o facão.
Quando a planta a ser coletada é de pequeno porte, enterro o facão na vertical
e puxo cortando as raízes. Faço isso nos quatro lados da planta e logo todas as
raízes horizontais estão contadas e o torrão fica retangular. Depois é só
cortar alguma raiz que esteja mais profunda, o que é raro, e tirar o bloco do
tronco com o torrão bem formado, pois a humidade ajuda. Aí é só envolver em
plástico e a planta está pronta para transporte. No retorno para casa, é só
colocar em bacia ou caixote com areia lavada (areia de construção) e em
aproximadamente 10 dias ela já mostra brotação.

Em outras espécies de plantas o processo de coleta
é bem mais trabalhoso, pois em geral as raízes grossas vão a grandes
profundidades e as raízes funcionais, as finas, não estão rasas. Nesse caso a
planta sofre um estresse bem maior e, dependendo da espécie, a recuperação é
demorada.
É bom que se tenha o cuidado de logo após acomodar
a planta fazer uma cuidadosa pulverização com algum tipo de inseticida para
matar alguma praga que eventualmente venha na planta, como cupins, formigas ou
outros insetos. Uso aquele chamado de Barrage, que é eficiente e barato e pode
ser encontrado em qualquer pet shop ou loja de material veterinário. Esse
procedimento evita trazer para casa pragas que podem se espalhar por outros bonsai
que tivermos.
ARAMAÇÃO
– Quanto à estruturação e condução da copa, tenho obtido melhores resultados
fazendo tracionamento dos galhos lignificados, ou seja, que já adquiriram
estrutura de madeira. Para aramar, melhor fazê-lo enquanto os galhos ainda estão
bem finos, entre 2 e 3mm, pois logo a madeira se torna áspera e fácil de
quebrar. Em aproximadamente 4 meses os arames podem ser retirados, dependendo
da espessura do galho e curvatura que se deseja obter.
Mas, grande parte do trabalho de formação da copa
da Calliandra Depauperata pode ser feito usando constantemente a poda de galhos
para adensamento e estruturação da copa.
Bem, essas são as observações que tenho feito
sobre a Calliandra Depauperata nesses anos de contato com ela. Faço observações
em casa, com elas bem alimentadas, mas rotineiramente estou indo ao campo em
companhia de alguns amigos bonsaístas e venho observando o seu comportamento na
natureza em todas as estações do ano.
Espero ter ajudado aos que buscam informações
sobre essa variedade de calliandra.